sábado, 5 de maio de 2018

Teorias e curiosidades 2.0


 Antecipação biocibernética de Zaffaroni .
 A antecipação biocibernética entende que, por haver um processo cego no campo da causalidade, a biocibernética se propõe a fazer a ponte entre a ciência física com a biologia, revelando que em toda conduta há uma programação, a partir de uma antecipação do resultado. Completa Zaffaroni que a finalidade, sempre vidente, é a condutora e dirigente da própria causalidade. Daí que Welzel também chama a ação final de antecipação biocibernetica do resultado. Por fim, salienta-se que, o que interessa é que o Direito Penal respeite a estrutura ôntica da conduta
Não existe elementos da conduta, porque ela não é composta de elementos. Mas existe aspectos da conduta que podemos distinguir:
1. Aspectos internos: à proposição de um fim (Nos propomos a ir a Paris) e a seleção dos meios para obtenção desse fim (selecionados os meios para chegar lá: navio, avião etc). Sempre que nos propomos para um fim, retrocedemos mentalmente, desde a representação do fim, para selecionar os meios com os quais pôr em marcha a causalidade para a produção do resultado querido. Nessa seleção também representamos os resultados concomitantes (por navio demorará mais tempo do que por avião);
2. Aspectos externos: passamos à exteriorização da conduta, consistente no desencadeamento da causalidade em direção à produção do resultado  colocamos em marcha a causalidade para chegarmos a Paris. Tomamos o meio escolhido: avião ou navio.
• A estrutura da conduta segundo o conceito ôntico-ontológico e sua tradição. O que temos explicado é que não há um conceito jurídico-penal de conduta, mas uma completa identidade entre o conceito ôntico-ontológico da conduta e a conduta penal. A sua origem é aristotélica. Depois S. Tomás de Aquino toma essa idéia para dizer que não há causalidade, mas sim finalidade, distinguindo entre a natureza como fato e a natureza como razão: posto que o humano tende a seu fim de forma causal, o homem deve procurar o seu fim e alcançá-lo. Hoje todas as correntes filosóficas sustentam a correspondência entre vontade e finalidade, de modo que esse pensamento não corresponde hoje a determinada corrente filosófico, mas a todas. Até o idealismo, dizendo que a ação é criada pelo DP com características muito semelhantes ao conceito ôntico-ontológicos, não se afasta dessa idéia, muito embora seja cômoda desvirtuá-la para fazer essa afirmação (veremos adiante).

Crime em curto-circuito
A matéria está inserida no estudo da tipicidade, mais precisamente, na análise da conduta, como elemento da tipicidade formal.
Para a teoria causalista, de Von Litz e Beling, a conduta se revela como simples movimento corpóreo e voluntário, capaz de gerar alguma alteração no mundo exterior. Por outro lado, para os adeptos da Escola Finalista, defensora da Teoria da Ação Final, toda conduta se dirige a um determinado fim. Na seqüência, a Teoria Social da Ação prelaciona que conduta é a ação ou omissão dirigida a um resultado socialmente relevante.
Atualmente, a conduta é compreendida como a realização de um fazer ou não fazer típico, totalmente dominável pela vontade humana. Para a doutrina moderna, somente é possível cogitar a existência penal da conduta quando houver voluntariedade, de forma que essa deve ser livre e consciente, pois, caso contrário, não haverá relevância penal.
Partindo dessa premissa, não há como reconhecer a existência de crime quando da ausência de conduta, posto que não atendido o primeiro requisito da dimensão objetiva da tipicidade. É neste contexto que a doutrina analisa o chamado crime em curto-circuito, também conhecido como de delito explosivo, de vontade instantânea, ou, por fim, ação de curto-circuito.
Para os estudiosos que se arriscam a tratar do tema, as ações em curto-circuito se evidenciam como reações primitivas do ser humano. Em outras palavras, reações momentâneas e impulsivas do indivíduo, que o levam a praticar o crime. De acordo com a análise da sua terminologia, temos que se trata de crime de ímpeto, manifestação súbita e violenta; impulso, ataque. Numa situação como essa, o indivíduo age num mecanismo de reação, como se estivesse diante de uma anestesia momentânea do seu senso crítico, movido, principalmente, pela emoção.
Na maioria das vezes, após a prática do delito, o criminoso é arrebatado por um sentimento de arrependimento, vez que possue desenvolvimento normal. Do que se vê, o agente de ímpeto sabe o que está fazendo, tem plena consciência do seu ato, e, do caráter criminoso do mesmo, mas, como não consegue se controlar, acaba praticando a infração penal.
O que se discute é se tal comportamento pode ser considerado conduta voluntária, de forma a ensejar o reconhecimento da prática de crime. Parcela majoritária da doutrina entende que sim. O principal fundamento apontado é a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa). Salienta-se que as reações impulsivas e explosivas não possuem o condão de afastar a voluntariedade, posto que é possível verificar, em tais situações, a existência de um querer prévio, que dá ensejo à prática da conduta.
No caso da menina Isabella, a mídia, amparada em especulações, já cogita da possibilidade de se falar que a madrasta da vítima, que, possivelmente já sofreu agressões por parte de seu pai (há dois Boletins de Ocorrência registrados) teria cometido o crime numa reação de curto-circuito. Trata-se de hipótese, até o momento, não ventilada pelos advogados de defesa, mas, que se for cogitada, deverá ser devidamente comprovada, com os exames pertinentes. Ainda que seja esse o caso, conforme exposto anteriormente, a doutrina é firme no sentido de que o indivíduo, nestas condições, possui discernimento da sua conduta, o que deixa incólume a voluntariedade, exigida para a caracterização da infração penal. 
Crime com sujeito passivo em massa
O que se entende por crime vago? É o mesmo que crime oco e crime com sujeito passivo em massa? Estamos diante de conceitos totalmente distintos. Crime vago e crime com sujeito passivo em massa são classificações do delito, cujo fundamento é o sujeito passivo.
De plano, cumpre-nos conceituar sujeito passivo. Trata-se de quem, pela discrição típica, pode sofrer a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico. Em outras palavras, é o titular do bem jurídico protegido, que, pode ser uma pessoa humana, o feto, o Estado ou a sociedade, e, por fim, pessoas indeterminadas.
Fala-se em crime vago quando o sujeito passivo não possui personalidade jurídica, ou seja, o crime é praticado contra a sociedade como um todo. Um exemplo típico é a violação de sepultura, prevista no artigo 210 do CP.
Em contrapartida, crime com sujeito passivo massificado é aquele realizado contra sujeitos indeterminados, o que evidencia que a polaridade passiva é formada por uma massa de pessoas, que não podem ser identificadas.
Outro conceito é o de crime oco, que, em nada se relaciona com o sujeito passivo da infração penal, sendo compreendido como sinônimo de crime impossível. É tido como oco, pois, ou a conduta é ineficaz (ineficácia absoluta do meio), ou o bem jurídico não existe (improbidade absoluta do objeto), nos termos do artigo 17 do CP.
Crime de resultado cortado
O que se entende por delitos mutilados? E delitos de resultado cortado?
São espécies de delitos de intenção (também denominados delitos de transcendência interna). Têm, em geral, a estrutura típica de atos de preparação ou tentados punidos como delitos consumados. Neles, é punida a mera periculosidade da conduta, sendo desnecessária a ocorrência do resultado efetivo, já que se consumam em momento anterior à lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido (PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, vol.1: parte geral, arts. 1º a 120/ Luiz Régis Prado. - 7 ed. ver. atual. ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.374).
Os delitos de resultado cortado são aqueles onde o agente deseja que um resultado externo ao tipo se produza, porém, sem sua intervenção direta. Um exemplo é a extorsão mediante seqüestro, tipificada no artigo 159 do CP.
Os delitos mutilados de dois atos (ou vários atos) são aqueles nos quais o autor quer alcançar, após ter realizado o tipo, o resultado que fica fora dele e que depende de um ato próprio, seu. Pode ser ilustrado com o exemplo do crime de moeda falsa do artigo 289 do CP.
Direito penal subterrâneo
Segundo o professor Zaffaroni, o sistema penal subterrâneo é exercido pelas agências executivas de controle - portanto, pertencentes ao Estado - à margem da lei e de maneira violenta e arbitrária, contando com a participação ativa ou passiva, em maior ou menor grau, dos demais operadores que compõem o sistema penal.
O sistema penal subterrâneo institucionaliza a pena de morte, desaparecimentos, torturas, seqüestros, exploração do jogo, da prostituição, entre outros delitos.
Efeito prodrômico no processo penal
Etimologicamente, prodrômico vem de prefácio, primícia.
O tema deve ser analisado sob dois enfoques distintos. Um no Direito Processual Penal, e, outro, no Direito Administrativo.
No processo penal, o efeito prodrômico da sentença se relaciona com a vedação da reformatio in pejus, seja ela direta ou indireta, na hipótese de recurso exclusivo do réu.
Vejamos:
O artigo 617 do CPP enuncia: "o Tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos art. 383, art. 386 e art. 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença".
O recurso de apelação, no rito do júri é vinculado ao disposto no artigo 593 do CPP, norma essa que cuida das hipóteses de cabimento do recurso de apelação, naquilo que se refere às decisões proferidas no Tribunal do Júri.
Nessa linha de raciocínio, o STF, na sua súmula 713 estabelece que "o efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição".
Assim, em sede de apelação contra decisão do júri, o Tribunal ad quem somente poderá analisar aquilo que estiver na fundamentação do recurso, e, mais, deverá pautar-se nas regras estabelecidas no dispositivo em comento.
Do que se vê, não há nenhuma hipótese legal que autorize o reexame da matéria no caso da ocorrência de fato superveniente (morte da vítima) à sentença proferida com base na decisão do Conselho de Sentença. Deve-se obedecer à soberania do Tribunal do Júri (artigo 5, XXXVIII da CF).
Partindo dessa premissa, não sendo possível uma nova análise do caso em situação como essa, não há de se falar, como já é pacífico na doutrina, em mutatio libelli em grau recursal, vez que importaria na quebra da ampla defesa e do "favor rei".
Salienta-se que, na pior das hipóteses, no segundo julgamento, o órgão julgador deve aplicar o que a doutrina chama de "efeito prodrômico da sentença", ou seja, manter a pena idêntica a do primeiro julgamento, exatamente, em face da proibição da reformatio in pejus indireta.
Concluindo: no direito processual penal, o efeito prodrômico da sentença nada mais é do que a obrigação de, no segundo julgamento, em razão de recurso exclusivo do réu, o órgão julgador, caso não pretenda melhorar a situação daquele, observar a pena imposta na primeira sentença.
No Direito Administrativo, o efeito prodrômico deve ser analisado dentre os efeitos do ato administrativo. O ato administrativo pode produzir efeitos típicos e atípicos. Os primeiros, também conhecidos como efeito principal, são aqueles efeitos normais, ou seja, normalmente esperados de um determinado ato. Já os atípicos, podem ser compreendidos como efeitos inesperados, para os quais o ato não foi praticado.
A doutrina divide esses efeitos atípicos em reflexos (quando o ato administrativo atinge terceira pessoa) e prodrômicos (preliminar). Esse último somente se opera quando o ato administrativo depende de duas manifestações, e, havendo a primeira, cria-se a necessidade da segunda. Em outras palavras, trata-se de efeito que ocorre antes da conclusão do ato, antes do efeito principal.
Estouro de urna
O chamado estouro de urna ocorre quando se torna impossível formar um conselho de sentença no plenário do júri por insuficiência de jurados necessários para a instauração da sessão de julgamento. Ocorre dificilmente em casos onde, por exemplo, presentes quinze jurados (art. 463, CPP), são iniciados os trabalhos e dispensados 03 jurados de forma imotivada, por defesa e acusação respectivamente, e, além dos 06, são dispensados mais 03 por motivo de suspeição ou impedimento. No exemplo, restariam apenas 06 jurados e, sendo necessários 07, se tornaria impossível a realização do julgamento.
A fim de evitar tal ocorrência, a Lei 11.689/08 alterou a redação do Código de Processo Penal, aumentando o número de jurados de vinte e um para vinte e cinco, exvi :
Da Composição do Tribunal do Júri e da Formação do Conselho de Sentença
Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008).
De qualquer forma, ocorrendo o estouro de urna, se aplicará o disposto no artigo 471 do CPP, que determina:
Art. 471. Se, em consequência do impedimento, suspeição, incompatibilidade, dispensa ou recusa, não houver número para a formação do Conselho, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido, após sorteados os suplentes, com observância do disposto no art. 464 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008).
Responsabilidade penal por ricochete
PESSOA JURÍDICA COMETE CRIME?
Comentários do professor Luiz Flávio Gomes sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Muito se questiona acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Sem sombra de dúvida, trata-se de um dos assuntos mais debatidos no Direito Penal da atualidade.
Dentre muitas das inovações trazidas pelo constituinte de 1988, uma das mais expressivas se relacionada com a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, prevista pela Constituição Federal em duas hipóteses, quais sejam, nos crimes econômicos (contra a ordem econômica e economia popular) e nos delitos ambientais, tratadas, respectivamente nos artigos 173, § 5º e 225, § 3º, do aludido diploma.
Note-se que, mencionados dispositivos têm natureza jurídica de norma constitucional de eficácia limitada, o que evidencia a necessidade de regulamentação no plano infraconstitucional. Até o presente momento, apenas no que diz respeito aos crimes ambientais a matéria foi regulamentada, o que se deu pela Lei 9.605/98, de forma que a discussão sobre o cabimento ou não da responsabilização penal da pessoa jurídica se encontra limitada a tais delitos.
No que concerne ao tema, encontramos duas teorias: a) da ficção, preconizada por Savigny, com raízes no Direito Romano, segundo a qual, possuindo a pessoa jurídica apenas existência abstrata, não se pode cogitar dada possibilidade, posto que impossível reconhecer vontade própria, conduta e culpabilidade em tais entes, b) da realidade (personalidade real), defendida por Otto Gierke, de origem germânica, que ressalta ser a pessoa jurídica um ente real, com vontade própria, que se evidencia no poder de seu órgão colegiado.
Segundo nosso ver, a estrutura do ordenamento jurídico-penal brasileiro e os princípios por ele adotados se mostram como o maior obstáculo para o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica. O princípio da responsabilidade pessoal, que constitui um dos comandos basilares do clássico Direito Penal é inequivocamente incompatível com esse tipo de responsabilidade. Destarte, não se deve compreendê-la como efetiva responsabilidade penal, mas sim, como instituto do Direito Penal Sancionador, vez que indispensável a intervenção judicial para a imposição da sanção penal prevista em lei.
Vale lembrar que, nada obstante essa discussão em relação à natureza da responsabilidade da pessoa jurídica no tocante aos crimes ambientais, inevitável a aplicação da teoria da dupla imputação, consoante a qual a pessoa jurídica jamais pode integrar, sozinha, o pólo passivo da ação penal. Trata-se da consagração da teoria da responsabilidade penal por ricochete (de empréstimo ou por procuração), que determina ser imprescindível para a responsabilidade penal da pessoa jurídica a prática de um fato punível por uma pessoa física. Nessa esteira, num primeiro momento, deve essa ser incriminada, e, posteriormente, por reflexo, alcança-se a pessoa jurídica, desde que preenchidos os requisitos legais, como a atuação em nome da pessoa jurídica, em benefício dessa.
De tal modo, entendemos que a pessoa jurídica não pratica fato típico, exatamente por não possuir vontade e culpabilidade, sendo possível apenas vislumbrar a sua responsabilidade penal no sentido de lhe ser imposta uma sanção de caráter penal compatível com a sua natureza. Falamos, assim, da responsabilidade social da pessoa jurídica, que a evidencia como solidária da pessoa física autora do delito ambiental.
Teoria das janelas quebradas
Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade
Publicado em 02/2003
Daniel Sperb Rubin
Introdução
Enquanto os índices de criminalidade no Brasil atingem níveis intoleráveis, obrigando o cidadão de bem a trancar-se dentro de sua própria casa, e as autoridades responsáveis pela política de segurança pública em nosso país parecem simplesmente não saber que rumo tomar, nos Estados Unidos encontra-se em pleno andamento uma extraordinária experiência de redução de criminalidade.
Pela primeira vez depois de trinta anos de aumento contínuo, os índices de criminalidade nas grandes cidades dos EUA apresentam substancial redução [1]. A que se deve isso? Ouve-se falar na política criminal de tolerância zero. Sabe-se que foi aplicada em Nova Iorque, durante a gestão do Prefeito Rudolph Giuliani. Mas não se sabe exatamente quais seus fundamentos teóricos. Ouve-se falar, também, na brokenwindowstheory (teoria das janelas quebradas), mas, igualmente, não se sabe qual a sua origem e o que, exatamente, significa.
Neste despretensioso estudo, procuraremos demostrar como os EUA, a partir da brokenwindowstheory e da operação tolerância zero, conseguiram reduzir drasticamente os índices de criminalidade em algumas de suas grandes cidades, notadamente, em Nova Iorque. Analisaremos algumas críticas feitas à política criminal de tolerância zero, bem como os limites impostos pelo judiciário americano, ocasião em que se fará menção a algumas decisões que informam a jurisprudência americana acerca do assunto. Por fim, teceremos considerações sobre a situação brasileira no combate à criminalidade.
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Broken Windows Theory
– Origens e Fundamentos
Em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista AtlanticMonthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police andNeiborghoodSafety ( A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida.
Kelling e Wilson sustentavam que se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pelo manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime.
Em razão da imagem das janelas quebradas, o estudo ficou conhecido como brokenwindows, e veio a lançar os fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de "tolerência zero".
Ainda exemplificando, Kelling e Wilson afirmavam que uma comunidade estável, na qual as famílias cuidavam de suas casas, se preocupavam com as crianças dos outros e desconfiavam de estranhos, poderia transformar-se, em poucos anos, ou até mesmo meses, em uma selva assustadora. Uma propriedade é abandonada. O mato cresce. Uma janela é quebrada. Adultos deixam de repreender crianças e adolescentes desordeiros. Estas, encorajadas, tornam-se mais desordeiras. Então, famílias mudam-se daquela comunidade. Adultos, sem laços com a família, mudam-se para aquela comunidade. Adolescentes desordeiros começam a se reunir na frente da loja da esquina. O comerciante pede que se retirem. Eles recusam. Brigas ocorrem. O lixo se acumula. Pessoas começam a embriagar-se em frente aos bares. Um bêbado deita na calçada e lá permanece. A desordem se estabelece, preparando o terreno para a ascensão da criminalidade.
Em 1990, o Professor da Universidade Northwestern de Ciências Políticas, Wesley Skogan, publicou um estudo baseado em pesquisa na qual 13.000 pessoas residentes em áreas residenciais de Atlanta, Chicago, Houston, Filadelfia, Newark e São Francisco haviam sido entrevistadas. O estudo era entituladoDisorderand Decline: Crime andtheSpiralofDecay in AmericaNeighborhoods (Desordem e Declínio:O Crime e a Espiral de Decadência nas Comunidades Americanas) e confirmava os postulados da brokenwindowstheory. Mas ia além disso, afirmando que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Esta conclusão é de fundamental importância, especialmente diante da afirmação, sempre repetida e jamais comprovada, de que a principal causa da criminalidade reside nas injustiças sociais, desemprego, pobreza, falta de oportunidades, etc. Mais adiante, quando analisarmos às objeções a brokenwindowstheory e à tolerância zero, voltaremos ao assunto.
Em 1996, Kelling, em conjunto com Catherine Coles, lançou a obra definitiva sobre a teoria das janelas quebradas: FixingBroken Windows – RestoringOrderandReducing Crimes in OurCommunities (Consertando as Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o Crime em Nossas Comunidades). Nesta obra, o autor iria além, e demonstraria a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a não repressão a pequenos delitos e contravenções. Assim como a desordem leva à criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções, leva, inevitavelmente à criminalidade violenta.
No entanto, muito antes, em 1967, um relatório [2] preparado para uma comissão criada pelo então Presidente Lyndon Johnson para o estudo de estratégias de combate à criminalidade (Commissionon Law Enforcementand Crime) já apontara, com base em pesquisas e entrevistas com cidadãos que o medo da criminalidade estava fortemente relacionado à existência de desordem nas comunidades. No entanto, esta relação foi ignorada até o início dos anos 80 e, registre-se, continua a ser contestada (e ainda ignorada em muitos países), não obstante as evidências que indicam o seu acerto.
Durante três décadas, a criminalidade só fez aumentar nos EUA. O modelo americano de combate à criminalidade falhara porque não reconhecia a relação de causa e efeito entre desordem, medo, criminalidade violenta e decadência urbana. Kelling e Coles demonstram como, ao longo do século XX, a polícia americana foi, aos poucos, abandonando suas tarefas na manutenção da ordem pública para dedicar-se, exclusivamente, ao combate ao crime. A raiz do aumento da violência nos EUA na segunda metade do século XX está, também, nesta mudança de estratégia da polícia. Originalmente, o papel da polícia americana era o de manter a paz e prevenir o crime. A prevenção do crime era feita com a presença constante da polícia no seio da comunidade. E aqui reside outro fundamento da brokenwindowstheory. O policial deve fazer parte da comunidade, entranhar-se na comunidade, e lidar com as condições que criam o crime (desordens de todo o tipo, embriaguez pública, jogos ilegais, etc.). Assim, ele conhece a comunidade, e é conhecido por ela. Cria-se um vínculo entre a comunidade e a autoridade policial, e este vínculo, permite que ambos juntem forças para evitar o surgimento da desordem e de pequenos delitos que, mais tarde, levarão à criminalidade violenta. Assim, se algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade como a polícia podem imediatamente identificá-lo, e unindo forças, expulsá-lo de lá, ou mesmo prendê-lo se o mesmo for apanhado no exercício do tráfico. Mas para isso é preciso uma comunidade organizada, que preze a manutenção da ordem, e uma relação de confiança entre a comunidade e a polícia, de modo que ambos se auxiliem mutuamente.
O policiamento comunitário, portanto, é fundamental na prevenção do crime. A presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do "footpatrol", ou seja, do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz, do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que circularem de carro. Aos desordeiros basta, portanto, esperar que passe o carro da polícia, para continuar a desordem, o que torna-se muito mais difícil com o patrulhamento a pé.
Nos EUA criou-se a idéia de que a polícia não devia mais zelar pela ordem pública, mas investir todos os seus esforços apenas no combate ao crime. Assim, desordens e pequenos ilícitos foram deixados de lado, para que se combatesse apenas os crimes mais graves. Portanto, as pequenas janelas quebradas não mais eram reparadas, até que chegou-se a um ponto insustentável onde a criminalidade aumentou de tal forma nos centros urbanos, que muitos deram-se por conta do equívoco da estratégia adotada.
No Brasil, já chegamos a este ponto há muito tempo. A "estratégia das prioridades", adotada tanto pela Polícia como, pode-se dizer, por Juízes e Promotores, e que consiste em priorizar o combate à criminalidade violenta, sob argumentos diversos, que vão desde a falta de recursos até a desnecessidade de reprimir comportamentos que configuram não mais do que um mero ato de desordem ou uma pequena contravenção, passando pela alegação de o crime tem causas sociais, repete o equívoco cometido nos EUA e é uma das principais causas do aumento avassalador da criminalidade violenta em nosso país.
Sob esta estratégia, cria-se um círculo vicioso que retroalimenta a criminalidade violenta. Não se combate a desordem e os pequenos delitos porque deve-se priorizar o combate à criminalidade violenta. No entanto, a criminalidade violenta é justamente resultado da falta de combate à desordem e aos pequenos delitos. Esta lógica perversa precisa, em algum momento, ser quebrada.
Como diz Kelling, o Juiz pode achar difícil que apenas uma janela quebrada seja tão importante para permitir que a polícia exerça alguma autoridade sobre uma pessoa que possa quebrar mais janelas. Ocorre que o Juiz vê apenas um flash da rua num determinado momento, ao passo que o público, ao contrário, vê todo o filme se desenrolando a sua frente, que mostra a lenta e inexorável decadência da sua rua e de sua comunidade.
A Broken Windows Theory aponta um caminho para a redução da criminalidade, que já teve efeitos positivos nos EUA, como a seguir se verá, e que tem como base a repressão à desordem e aos pequenos delitos e, também, o policiamento comunitário. Não é mais possível ignorar esta extraordinária vitória contra o crime.
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A Operação Tolerância Zero – A Retomada do Metrô e das Ruas para o Povo de Nova Iorque
Um dos principais temas de debate durante a campanha para as eleições à Prefeitura de Nova Iorque, em 1993, foi o que fazer contra os "esqueegeemen", pessoas, normalmente jovens e atuando em grupo, que mediante ameaças veladas, ou nem tanto, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem que tivessem sido solicitados a fazê-lo. Tanto David Dinkins (então Prefeito) como Rudolph Giuliani (um ex-Promotor Federal que viria a ser eleito) prometiam um combate incessante contra a atuação destes grupos, simplesmente porque esta era uma das principais reclamações dos nova-iorquinos que viam na atuação daquelas pessoas a ausência de ordem e autoridade, bem como uma ameaça constante, que levava ao medo e à decadência da qualidade da vida urbana. Esta situação bem demonstra o ponto de insuportabilidade a que o cidadão comum daquela metrópole chegou, quando passou a exigir das autoridades providências enérgicas no sentido de restabelecer-se a qualidade de vida, já então em plena decadência.
Na verdade a decadência urbana de Nova Iorque desenvolvera-se de maneira lenta e constante ao longo dos anos 70 e 80, diante da tolerância com a desordem e os pequenos ilícitos. As pichações não eram reprimidas. As gangues se proliferavam. Permitia-se que os sem-teto ocupassem espaços públicos, como metrôs, parques e praças, e lá fizessem suas necessidades. Não se os obrigava a recolherem-se aos abrigos públicos. Além disso, eles passavam a mendigar de maneira cada vez mais agressiva e ameaçadora. Pequenos delitos como ingressar no metrô sem o pagamento da passagem, pulando a catraca, quase não eram mais reprimidos. Tudo isso levava a um aumento constante da criminalidade.
Esta situação era mais grave ainda no sistema de transporte subterrâneo de Nova Iorque, o metrô, em razão das peculiaridades de se tratar de um local fechado, deserto à noite, mas utilizado por grande parte dos habitantes como único meio de transporte viável (aproximadamente três milhões de pessoas utilizam o metrô de Nova Iorque num único dia). O metrô tornara-se um grande problema.
Em abril de 1990, William Bratton, um policial que fizera carreira rápida e brilhante na polícia de *&¨%, tendo se destacado principalmente por sua atuação frente à polícia de trânsito daquela cidade, foi contratado pela Polícia de Trânsito de Nova Iorque, para "resolver o problema do metrô". Antes, George Kelling já havia sido contratado e, com a chegada de Bratton, passou a "alimentá-lo" com idéias e material de leitura.
Bratton imediatamente identificou os três principais problemas do metrô: passageiros que pulavam a catraca e não pagavam a passagem, desordem e crime.
O não pagamento da passagem havia se tornado epidêmico. O prejuízo da municipalidade girava em torno de oitenta milhões de dólares por ano. Os desordeiros simplesmente pulavam as catracas. Aqueles que pagavam sentiam que estavam entrando em um local onde não havia lei e a desordem imperava e começavam a se perguntar se valia a pena continuar respeitando a lei.
A desordem só fazia crescer. Pichações, mendicância agressiva e vandalismo criavam um clima propício à criminalidade.
A criminalidade no metrô aumentava e tornava-se mais violenta, com a proliferação de gangues juvenis, cada vez mais usando armas de fogo e simplesmente assaltando as pessoas.
Bratton teve imensas dificuldades no sentido de mostrar aos policiais sob o seu comando a necessidade de combater-se a desordem e o não pagamento das passagens. Afinal de contas, como policiais, e em consonância com a política de segurança pública até então adotada, eles achavam que o seu trabalho era combater o crime e não a desordem ou o não pagamento de passagens. Vencida esta barreira, ele começou a aplicar a brokenwindowstheory ao problema do metrô.
No seu entendimento, o não pagamento da tarifa era a principal janela quebrada no sistema subterrâneo de trânsito. Até então, a Polícia de Trânsito não prendia em grande número aqueles que pulavam as catracas. Isto era considerado um delito menor. Apenas uma ou duas vezes por ano, eram feitas prisões em massa e os detidos eram levados ao YankeeStadium, numa espécie de demonstração pública. Isto, obviamente, em nada alterava a situação. Bratton começou a aplicar uma estratégia de fazer pequenas prisões em massa, de estação em estação. Como não havia efetivo suficiente para efetuar as prisões em todas as estações, a Polícia de Trânsito de Nova Iorque alternava dias e horários. Em algumas estações, era como se não houvesse catracas. A imensa maioria das pessoas simplesmente pulava por elas. Nesta situação, policiais a paisana apenas esperavam as ondas de dez ou vinte "saltadores de catraca" para então prendê-los. Os poucos que ainda pagavam a passagem, ao verem as prisões sendo efetuadas, estimulavam e elogiavam os policiais. Pagar a passagem começava novamente valer a pena. Mesmo às três horas da madrugada, policiais à paisana postavam-se nas estações, como se fossem passageiros esperando o metrô. Um desordeiro entrava na estação, olhava para os lados e não via nenhum policial uniformizado. Pulava a catraca e era imediatamente preso pelos policiais à paisana. O medo da prisão começou a alterar o comportamento daqueles que não pagavam a passagem. A quantidade dos que não pagavam começou a declinar significativamente. A primeira grande janela quebrada estava sendo consertada.
Àquela altura, já estava ficando claro para Bratton que a grande maioria das pessoas detidas por não pagarem a passagem eram justamente aquelas que causavam desordem no interior do metrô. Além disso, muitas das pessoas detidas, ou carregavam armas consigo, ou eram pessoas procuradas com mandados de prisão expedidos contra si. Atacando o problema do não pagamento das passagens, estava-se prevenindo a desordem e também que elementos criminosos entrassem no sistema subterrâneo de trânsito. Depois de um tempo, os desordeiros e criminosos começaram a deixar suas armas em casa. Menos armas, menos roubos, menos assaltos, menos assassinatos, menos vítimas. Começava-se a demonstrar, na prática, a relação entre desordem e criminalidade no interior do metrô. E, talvez mais importante, mediante um trabalho que era, ao mesmo tempo de repressão e de prevenção. Repressão à desordem e aos pequenos delitos. Prevenção aos crimes graves. E tudo isto apenas pela repressão a um delito patrimonial que custava, isoladamente, pouco mais de um dólar, e que, segundo muitos "entendidos", jamais deveria merecer a menor atenção da polícia.
Quando venceu as eleições para a Prefeitura de Nova Iorque em 1993, Rudolph Giuliani nomeou Bratton para chefiar o Departamento de Polícia. Depois do metrô, era hora de devolver as ruas aos novaiorquinos.
O que Bratton fez, em verdade, foi uma profunda reestruturação do Departamento de Polícia de Nova Iorque, mas tendo como uma das premissas básicas sempre os postulados da brokenwindowstheory. Tendo em mente sempre a necessidade de coibir a desordem e reprimir os pequenos delitos, Bratton foi, aos poucos, devolvendo as ruas ao povo.
Uma de suas primeiras iniciativas foi atacar a conduta daqueles grupos de jovens que, de maneira velada ou não, geralmente em grupos, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem terem sido solicitados a fazê-lo. O que poderia parecer, em um primeiro momento, algo com que a polícia sequer deveria se preocupar, estava, na verdade, atormentando os motoristas, que se sentiam constantemente ameaçados. Era, na verdade, uma janela quebrada. Como esta conduta constituia uma infração menor, punida apenas com serviços comunitários, estas pessoas não podiam ser presas, mas apenas intimadas a comparecer em juízo. Ocorre que nem isto vinha sendo feito. Começou-se a fazer. No início, os intimados não compareciam a juízo e isto (o não atendimento à intimação) autorizava que fossem presos. Então prisões foram feitas. Com a certeza da punição, aquilo que durante anos atormentara a vida dos motoristas de Nova Iorque teve fim em poucas semanas.
Outras pequenas vitórias contra pequenos ilícitos confirmavam a teoria de Kelling: uma pessoa foi presa por urinar num parque, quando questionada sobre outros problemas deu informações à polícia que resultaram na localização de um esconderijo de armas; um motociclista foi detido por andar sem capacete, revistado, descobriu-se que carregava duas armas consigo e tinha várias outras em seu apartamento; uma pessoa vendendo mercadoria de origem suspeita, depois de questionada levou a polícia a um receptador de armas roubadas.
Nem todo aquele que pratica um delito menor pode ser considerado capaz de um delito grave. No entanto, alguns serão, especialmente se não encontrarem nenhuma repressão ao pequeno ilícito praticado. Além disso, podem ter informações sobre outras pessoas que são criminosos perigosos.
Outro fundamento da brokenwindowstheory, o policiamento comunitário, também foi aplicado por Bratton em Nova Iorque. Em verdade, quando ele assumiu a chefia do Departamento de Polícia, tal plano já estava em andamento, com a contratação de mais policiais para trabalharem nas ruas e nas comunidades. O que Bratton fez foi aperfeiçoar o plano, identificando as áreas de maior criminalidade e desordem, e lá lotando um maior número de policiais. Bratton é explícito ao afirmar que "os policiais comunitários podem identificar as preocupações da comunidade e, algumas vezes, prevenir o crime simplesmente com a sua presença física".
E para os que ainda acham que um maior número de policiais nas ruas e entranhados nas comunidades não faz muita diferença, é o insuspeito ClausRoxin quem diz: "... sobretudo, sou partidário da concepção – que surgiu na América do Norte e pouco a pouco ganha mais partidários na Alemanha -, de que a polícia faz falta na rua e não nos gabinetes públicos" [3].
Em estudo sob o título "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", Theodomiro Dias Neto, Mestre em Direito pela Universidade de Wisconsin (EUA) e Doutorando em Direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), afirma que o debate contemporâneo na área policial gira em torno de como viabilizar a parceria entre polícia e comunidade na tarefa de prevenção ao crime, informando que a proposta é um estilo diferenciado de policiamento, caracterizado por: 1) uma concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia; 2) descentralização dos procedimentos de planejamento e prestação de serviços para que as prioridades e estratégias policiais sejam definidas de acordo com as especificidades de cada localidade; 3) maior interação entre policiais e cidadãos, visando ao estabelecimento de uma relação de confiança e cooperação mútua. [4] Tanto a brokenwindowstheory, como a operação tolerência zero, abarcam estes três itens. E é isto o que Bratton fez em Nova Iorque. Quando refere "concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia", Theodomiro Dias Neto está fazendo explícita referência à manutenção da ordem como uma das funções policias.
O resultado da aplicação da brokenwindowstheory pelo Departamento de Polícia de Nova Iorque foi a diminuição, pela primeira vez em trinta anos, dos índices de criminalidade naquela cidade. Desde 1994, tais índices vêm diminuindo. A história desta estratégia vitoriosa é contada por William Bratton em seu livro "Turnaround – HowAmerica’s Top CopReversedthe Crime Epidemic" (A Reviravolta – Como a Polícia Americana Reverteu a Epidemia de Crime). Esta política de segurança pública, a da aplicação da teoria de Kelling no combate à criminalidade em Nova Iorque é que veio a ser popularmente conhecida como "operação tolerância zero". Muito distante, portanto, da caricatura que alguns desinformados, por vezes, pintam, reduzindo a "operação tolerância zero" a uma mera "limpeza" das ruas centrais da cidade, que, na sua equivocada visão, consistiria apenas na retirada de prostitutas, gigolôs, bêbados e traficantes das ruas centrais de Nova Iorque.
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A Legislação e a Jurisprudência Americanas – Um pequeno apanhado
Nos EUA já existiam, bem antes do advento da brokenwindowstheory e da "operação tolerância zero", leis que criminalizavam determinadas condutas que, durante muito tempo, foram vistas apenas como meros atos de desordem. A autoridade para regular e reprimir legalmente comportamentos como mendicância agressiva, embriaguez pública, o uso apropriado dos parques e ruas da cidade, reside no poder constitucional do estado em prover a saúde, a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos.
Nos EUA um Estado pode delegar a uma municipalidade o poder de regular as condutas nestas áreas ou pode regular ele próprio inteiramente estas áreas. Todavia, Kelling e Coles informam que isto não tem sido fácil. Há uma razoável possibilidade de que regulamentos ou decretos municipais sejam considerados inconstitucionais, e que as municipalidades venham a ser processadas por aquelas pessoas que, eventualmente, tenham sofrido alguma restrição com base nestes regulamentos ou decretos.
Em verdade, o que ocorre é uma tensão ou um choque entre os direitos individuais daqueles que alegam que suas condutas supostamente desordeiras nada mais configuram do que o seu mero direito de expressão, e o direito da comunidade, para a qual os direitos individuais, por vezes, devem dar lugar aos valores comunitários, a fim de que a ordem possa ser mantida na comunidade, impedindo-se, assim, a proliferação da desordem e a ascensão da criminalidade.
Os que se contrapunham ao direito de se reprimir legalmente algumas condutas tidas como atos de desordem, tinham, fundamentalmente, duas restrições: a primeira era quanto à tipificação dos comportamentos, que alegavam ser vaga e imprecisa; e a segunda era de que tais leis, em verdade, não reprimiam uma conduta, mas sim uma condição (ou um status); a condição de pobre, sem-teto, viciado, etc. Tais restrições foram, eventualmente, levadas ao Judiciário americano.
Num primeiro momento, as tentativas de se reprimir legalmente tais comportamentos podem ser resumidas em dois tipos de leis: as "vagrancylaws" e as "loiteringlaws", algo que pode ser definido como "leis anti-vadiagem" e "leis contra o ato de perambular, demorar-se em um local, vagar sem destino".
Kelling e Coles referem dois casos fundamentais nos quais a Suprema Corte dos EUA julgou inconstitucional as "vagrancy e loiteringlaws".
O primeiro é o caso Papachristow v. City of Jacksonville, de 1972. Neste caso, oito indivíduos, entre negros e brancos, foram acusados de vagar a esmo, de carro, sem destino, perambulando pelas ruas de um bairro. Foram condenados por violarem uma lei de Jakcsonville, Florida, segundo a qual "elementos perniciosos, *&¨%$, pessoas licenciosas, que perambulam de um lugar para outro, sem qualquer objetivo ou motivo legal, devem ser tidas como vadios, para efeitos legais". A Suprema Corte anulou a condenação, considerando que a lei de Jacksonville era imprecisa e vaga ao tipificar o comportamento incriminado, porque falhava na função de dar a uma pessoa de mediana inteligência uma informação razoável de que sua conduta era proibida e também porque estimulava prisões e condenações arbitrárias. A Suprema Corte também enfatizou que a lei em questão era inadmissível porque tornava criminosas condutas inocentes, tais como o simples ato de vagar ou perambular sem destino, que tinha sido, inclusive, parte da tradição americana. O resultado de um diploma legal tão impreciso seria, ainda segundo a Suprema Corte, colocar uma excessiva discricionariedade nas mãos da polícia.
O segundo caso é Kolender v. Lawson, de 1983. Lawson tinha sido detido ou preso pela polícia 15 vezes entre março de 1975 e janeiro de 1977, cada uma dessas vezes caminhando tarde da noite numa rua isolada próximo a uma área de alta criminalidade ou em uma área comercial onde muitos arrombamentos haviam sido cometidos. Foi acusado de acordo com uma seção da Lei Penal da Califórnia, que estabelecia:
"Toda pessoa que comete um dos seguintes atos é culpada de conduta desordeira, uma contravenção:.. . e) que perambula ou vagueia pelas ruas, sem razão aparente, e que se recusa a se identificar ou a prestar contas de sua conduta, quando requerido pela autoridade a fazê-lo, se as circunstâncias são tais que indicam, para uma pessoa razoável, que a segurança pública exige a sua identificação".
A Suprema Corte considerou a lei vaga e imprecisa diante da exigência do devido processo legal da 14 ª Emenda à Constituição por falhar ao definir a conduta criminal com suficiente precisão para que uma pessoa comum pudesse entender que sua conduta é proibida e de uma maneira que não encorajasse a arbitrariedade e a discricionariedade excessiva.
Como resultado destas duas decisões, a polícia e os Promotores deixaram de aplicar outras leis similares, que, não obstante não tivessem sido declaradas inconstitucionais, não eram mais aplicadas.
O próximo passo na busca de uma legislação que coibisse a desordem foram as "Loitering For thePurposeofLaws". Tais leis acresciam uma particular finalidade ao ato de vaguear, algo equivalente ao elemento subjetivo do tipo do direito brasileiro. Assim, o simples ato de perambular ou vagar de lugar em lugar não era tipificado. No entanto, se tal ato tivesse por finalidade um outro ato proibido pelo ordenamento jurídico, então a lei não seria inconstitucional. Um exemplo deste tipo de lei é a seção 647 (d) da Lei Penal da Califórnia conforme a qual "qualquer pessoa que esteja a vaguear próxima a um banheiro público para o fim de satisfazer sua lascívia ou para qualquer outro ato ilegal" incorre num ilícito penal. A Suprema Corte, em 1988, considerou constitucional esta lei, entendendo que a exigência do conhecimento de que determinada conduta era ilegal e a linguagem especificando o local do fato, diminuía qualquer potencial indeterminação da norma e cumpria sua função de noticiar os atos proibidos, além de evitar eventuais abusos policiais. Em outro julgamento, deste feita de uma Lei de Milwaukee (que tipificava a conduta de vaguear a ela acrescendo uma série de circunstância especiais e específicas), a Suprema Corte de Wisconsin manteve a lei da Municipalidade, e acrescentou ainda que existem áreas da conduta humana que, pela natureza dos problemas que apresentam, simplesmente tornam impossível ao legislador definir com exatidão absoluta a conduta ilícita.
As "Loitering For the Purpose of Laws" representaram um avanço.No entanto, segundo Kelling e Coles, nem todas as Cortes americanas aceitaram a constitucionalidade das mesmas. Ainda assim, em muitos estados americanos tais leis estão em vigor, e sendo aplicadas.
Mas tais leis e regulamentos também tiveram contra si a alegação de violação à primeira emenda à Constituição Americana que protege o direito de expressão [5]. Em Young v. New York City Transit Authority, em 1990, o Departamento de Trânsito de Nova Iorque foi processado porque seus regulamentos anti-mendicância no interior dos metrôs estariam violando a primeira emenda. A primeira emenda protege não apenas o mero direito de expressão verbal, mas também a conduta em que um comportamento e a expressão estão intrinsecamente ligados, de maneira a passar uma determinada mensagem. Exemplificando, a primeira emenda sustentou condutas tais como a queima da bandeira americana e passeatas em protesto contra o envolvimento dos EUA no Vietnã. Ou seja, outras formas de expressões não-verbais estão protegidas pela primeira emenda. Neste caso, o direito dos sem-teto de mendigar seria uma forma de expressão protegida pela primeira emenda. Anteriormente, a Suprema Corte havia entendido que as solicitações de fundos feitas por organizações de caridade eram uma forma de liberdade de expressão protegida pela primeira emenda, pois passaria uma mensagem sobre uma causa particular. Sem a solicitação de fundos, a mensagem ficaria muito prejudicada. Seria um dos casos em que a conduta (solicitar fundos) estaria intrinsecamente ligada à mensagem (os problemas dos necessitados). O Juiz que julgou o caso entendeu que a mendicância individual estaria protegida pela primeira emenda porque não seria possível dar a esta um tratamento diferenciado do tratamento dado às solicitações feitas por entidades de caridade. Além disso, entendeu que os interesses do Departamento de Trânsito (proteção dos usuários do metrô contra comportamentos que pudessem configurar ameaças e intimidações mediante uma mendicância agressiva) não eram suficientes para coibir o direito de mendigar dos sem-teto no metrô.
A decisão foi duramente criticada pela imprensa. Houve editorial que perguntou "quem é esse Juiz suburbano, que nunca usou o metrô para dizer aos Nova Iorquinos o que eles devem agüentar"?
No entanto, a decisão foi modificada em grau de recurso. Os juízes entenderam que o ato de mendicância não poderia ser considerado como um direito de expressão resguardado pela primeira emenda, uma vez que a imensa maioria dos indivíduos que mendiga, o fazem para coletar algum dinheiro, e não para passar alguma mensagem ao público. Se alguns sem-teto quisessem passar alguma mensagem sobre a falta de políticas públicas com relação à falta de moradia ou sobre sua própria situação, seria muito improvável que os passageiros do metrô, testemunhando aquela conduta (mendicância agressiva) pudessem concluir que o sem-teto estivesse passando uma mensagem, pelas específicas circunstâncias do metrô, que, antes, os fariam se sentir ameaçados e importunados. Prosseguindo, os juízes entenderam que os regulamentos anti-mendicância do Departamento de Polícia de Nova Iorque não se destinavam à supressão do direito de expressão no metrô, mas sim a garantir um ambiente seguro nas estações, prevenindo qualquer ato que pudesse causar intimidação ou atormentasse os passageiros. Por fim, os juízes concluíram que, mesmo se as condutas dos sem-teto no interior do metrô estivessem protegidas pela primeira emenda, a decisão de primeira instância havia pecado por ter superdimensionado o direito destes em detrimento do bem comum.
No entanto, a demonstrar o dissenso jurisprudencial, uma lei da Municipalidade de Nova Iorque que considerava contravenção perambular, permanecer ou vagar em local público (fora dos metrôs, em parques, ruas, etc.), para o fim de mendigar foi declarada inconstitucional por ofender a primeira emenda. O juiz entendeu que a mendicância era uma conduta e também forma de expressão que estavam intrinsecamente ligadas, e, portanto, protegidas pela primeira emenda, tal como as solicitações de fundos por entidades de caridade.
Não há consenso, portanto, acerca destas leis cujo principal objetivo é manter ou restaurar a ordem a fim de evitar o avanço da desordem e da criminalidade. A tendência é que o legislador aperfeiçoe cada vez mais a técnica legislativa, a fim de que a lei resista aos testes de constitucionalidade, não podendo alegar-se que é vaga ou imprecisa e tampouco que ofende a primeira emenda à Constituição. Esta tendência aponta, também, no sentido de especificação de determinados comportamentos, evitando as alegações de imprecisão que também podem levar à inconstitucionalidade. Neste sentido, estão em vigor nos EUA leis tipificando objetivamente determinados comportamentos que levam à desordem e à criminalidade, como a própria mendicância que se faz de uma maneira agressiva [6], obstrução de calçadas, embriaguez pública e vandalismo, dentre outras.
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Crítica: Os Pobres e as Minorias como Alvo
Não obstante o extraordinário sucesso da "Operação Tolerância Zero" na diminuição da criminalidade em Nova Iorque, há veementes críticos desta política criminal.
Os críticos sustentam que tal política criminal oprime apenas os pobres, os necessitados e as minorias. Trata-se de evidente equívoco.
Keeling e Coles são claros ao afirmarem que o problema não é a condição das pessoas, mas sim o seu comportamento. O que se busca coibir é o comportamento que causa desordem e que prepara o terreno para a ascensão da criminalidade. Não importa, portanto, a condição da pessoas, mas sim sua conduta.
No entanto, os críticos questionam porque se preocupar com mendicância agressiva, lavagens de párabrisas não solicitadas, embriaguez pública, quando a violência anda solta nos grandes centros urbanos. Acaso estariam procurando bodes expiatórios para a violência? Helen Hershkoff, da União Americana das Liberdades Civis critica uma legislação que, tratando de maneira equivocada o problema da pobreza, termina por proibir que os necessitados simplesmente peçam dinheiro. [7]
Kelling e Coles identificam nas alegações de que o objetivo de manter a ordem nada mais significaria do que uma forma de opressão aos pobres e às minorias o resultado de décadas do crescimento de um individualismo sem limites. Produtos deste crescimento seriam a primazia do indivíduo e o seu direito de ser diferente; uma ênfase nas necessidades e direitos individuais e a crença de que tais direitos seriam absolutos; uma rejeição a uma moralidade média dos cidadãos americanos; e, por fim, a noção de que considerar indivíduos como criminosos os estigmatizaria e os tornaria realmente criminosos.
Na arena judicial as cortes americanas desenvolveram um corpo de precedentes legais nos quais a proteção aos direitos fundamentais e liberdades individuais expandiram-se e foram elevados a posições muito acima de suas respectivas responsabilidades ou dos interesses da comunidade. Sendo mais claro: a conduta de um indivíduo causador de desordem numa comunidade devia ser protegida porque, em última análise, ele tem direito a ser diferente, e sua liberdade de ser diferente deve ser protegida pelo judiciário. Os interesses da comunidade não podem sobrepor-se aos direitos e liberdades individuais de uma pessoa. A desordem cresceu, se expandiu e foi tolerada porque virtualmente todas as formas de desvios comportamentais não claramente violentos foram considerados sinônimos de expressão individual, e, como tal, supostamente protegidas pela primeira emenda.
No entanto, Kelling e Coles afirmam que a demanda por ordem permeia todas as classes sociais e grupos étnicos. Quando os usuários do metrô exigiram a restauração da ordem nas estações subterrâneas não eram os banqueiros ou os tubarões de Wall Street que estavam reclamando. Estes, afinal, tinham outras alternativas. Foram os trabalhadores, principais usuários do sistema, que exigiram a restauração da ordem e da segurança.
Os que advogam a restauração da ordem não estão propondo alguma forma de tirania da maioria. Referem-se, isto sim, a comportamentos que violam padrões de comportamento largamente aceitos por uma comunidade, e sobre os quais há um consenso, sem qualquer conotação racial, étnica ou de classes.
Além disso, a desordem tem conseqüências mais graves em comunidades pobres e, portanto, estas são justamente as que mais precisam de ordem a fim de evitar o aumento da criminalidade. Uma comunidade rica tem certas condições de manter um estado de ordem que uma comunidade pobre não tem, como, por exemplo, a contratação de segurança privada. É muito mais fácil consertar uma janela quebrada em uma comunidade rica do que em uma comunidade pobre. Portanto, antes de oprimir os pobres e minorias, a restauração e manutenção da ordem, em verdade, vêm em seu auxílio. Relembre-se da pesquisa de Wesley Skogan, referida no início deste estudo, e que concluiu que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Para o controle da criminalidade nestas comunidades, portanto, a restauração da ordem é imprescindível. Pobreza não deve necessariamente significar crime e desordem.
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Criminalidade: Causas Multifatoriais
A desordem e a ausência de repressão a pequenos delitos não são, por certo, a única causa do aumento da criminalidade. E, não sendo a única causa, não foi apenas a ausência de combate à desordem que fez com que a criminalidade crescesse ininterruptamente durante três décadas nos EUA.
Na obra The Crime Drop in América (A Queda do Crime na América), Alfred Blumstein e Joel Wallman, o primeiro Professor Universitário e Diretor da Associação Nacional de Pesquisas sobre a Violência, e o segundo Ph.D pela Universidade de Colúmbia e Bolsista da Fundação Harry Frank Guggenheim, de Nova Iorque (onde faz pesquisas sobre violência e agressão), apresentam um profundo estudo sobre a queda da criminalidade nos EUA nos anos 90.
Neste estudo ambos concluem que não há uma explicação única para a diminuição da criminalidade verificada nos EUA na década de 90, mas sim uma variedade de fatores, alguns independentes, e outros que, interagindo entre si, foram importantes para o resultado final.
Blumstein e Wallmann, analisando os elementos da queda do crime nos EUA, citam as mudanças com relação ao tráfico de drogas, o incremento da economia, o controle do uso de armas de fogo, o aumento do número dos estabelecimentos prisionais (e das prisões) as alterações demográficas e, por fim, a política de combate ao crime, onde incluem a "tolerância zero" e a importância da comunidade como elementos de combate ao crime.
O grande aumento da criminalidade nos EUA verificado em meados da década de 80, segundo os autores, estaria diretamente relacionado ao aumento do tráfico de cocaína e crack. Blumstein e Wallman identificam subculturas de violência em relação ao tráfico de cada tipo de drogas. Identificam também "eras" de apogeu do comércio de entorpecentes, indicando, basicamente três períodos: o período da heroína (1960/73), o período da cocaína/crack (com pico em 1984/89), e o período da maconha/blunt (esta última uma nova "moda", resultante da colocação da erva no envoltório de cigarros baratos no lugar do próprio fumo, período iniciado por volta de 1990).
A subcultura do uso e do comércio de drogas consistiria na organização de normas de conduta que definem o que o participante deve fazer, o que não deve fazer e qual a punição para a desobediência. Os participantes, no caso, são tanto os usuários, quanto os traficantes. No caso da cocaína e do crack, a subcultura de seu uso e tráfico seria extremamente violenta, autorizando o uso de armas de fogo e o emprego de ameaças e violência físicas para assegurar a venda, o ponto, o pagamento, enfim, tudo o que se relacionasse ao comércio da cocaína e do crack e fosse necessário para assegurar o êxito do "negócio". Portanto, a subcultura do tráfico da cocaína e do crack, explicaria o vertiginoso aumento da violência dos anos 80, bem como o declínio da criminalidade na década de 90, quando encerra-se o pico da venda destas drogas, iniciando-se a era da maconha/blunt, cuja subcultura é bem menos violenta.
Ao analisar a proliferação dos estabelecimentos prisionais, os autores informam que os Estados americanos quadruplicaram sua massa carcerária, resultando em gastos que passam dos vinte bilhões de dólares anuais, o que são números que falam por si só como evidência de sua importância na diminuição da criminalidade, quanto mais não seja, pela simples razão de que o criminoso encarcerado não está nas ruas. Embora não neguem totalmente a importância do aumento das prisões na diminuição da criminalidade, Blumstein e Wallman sugerem que a criminalidade teria caído de qualquer maneira, por outros fatores, ainda que o aumento das prisões não tivesse ocorrido na escala em que ocorreu, reconhecendo, porém, que esta é uma questão aberta.
Ao tratarem especificamente da aplicação da brokenwindowstheory e da "tolerância zero" como política criminal que levou à redução vertiginosa do crime em Nova Iorque, Blumstein e Wallman elencam uma série de opiniões de estudiosos que sustentam ou negam a importância desta política criminal da redução da criminalidade naquela metrópole. Os autores terminam por concluir que ainda é cedo para aquilatar-se o real impacto da "operação tolerância zero" e da brokenwindowstheory na redução da criminalidade em Nova Iorque, concluindo também que não apenas a polícia deve "levar os louros" pela vitória contra o crime, pois ela não é uma instituição isolada, mas sim parte de uma rede de instituições, algumas formais (tribunais e escolas) e outras informais (família, igreja), todas elas respondendo ao crime. Não deixa de ser uma conclusão razoável para um estudo que, além de procurar indicar outras razões para a diminuição da criminalidade nos EUA, procura nitidamente diminuir a importância da teoria de Kelling e do trabalho de Bratton.
Se o crime tem causas multifatoriais, as soluções também são multifatoriais. Assim, a "tolerância zero" e a brokenwindowstheory não são a panacéia de todos os males, mas devem ser encarados como um importante elemento no combate à criminalidade, embora não o único.
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A Situação Brasileira
A esta altura, deve-se dizer que não se advoga a implantação pura e simples do modelo americano à realidade brasileira. Não apenas questões culturais e legais impediriam isso, senão que a simples falta de dinheiro para a implementação de uma política criminal nos moldes da que foi implementada em Nova Iorque configura uma barreira quase que intransponível para que se repita aquela experiência exatamente como aconteceu. O que realmente podemos e devemos aprender com a experiência americana é a necessidade inadiável de repressão às contravenções e aos pequenos delitos, como forma de manutenção da ordem e prevenção aos crimes graves.
Até pouco tempo atrás (leia-se, antes do advento da Lei n° 9099/95) o que se notava, no entanto, era a virtual paralisação do sistema quando se tratava de reprimir contravenções e pequenos delitos. Isto explica-se pela já referida estratégia de prioridades. A polícia, reza esta estratégia, deve priorizar a investigação de crimes graves, e não pode perder tempo com delitos de pouca gravidade.
Alguma condutas tipificadas pela lei das contravenções penais há muito tempo haviam deixado de ser reprimidas, como, por exemplo, provocação de tumulto e conduta inconveniente (art. 40), perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42), mendicância ameaçadora (art. 60, par. único, letra "a"), perturbação de tranqüilidade (art. 65), embriaguez (art. 62, apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia), recusa de dados sobre própria identidade ou qualificação (art. 6.
É bem verdade que tais contravenções não podem mais ser vistas pelas lentes do intérprete de 1942. Mas nos perguntamos se alguns dos bens jurídicos que elas protegem por acaso não mais merecem a proteção da norma penal. O trabalho e o sossego alheios não mais merecem ser protegidos contra a perturbação? A ordem pública não mais merece ser protegida contra a provocação de tumulto e condutas inconvenientes? A tranqüilidade não mais merece ser protegida contra a perturbação? A nosso sentir a resposta deve ser sim. Mas não apenas pelo valor intrínseco de cada um destes bens jurídicos, mas sim porque a ofensa a estes bens jurídicos sem a devida repressão configura as primeiras janelas quebradas que, não consertadas, irão, mais tarde, solapar todo o sistema de segurança pública, levando ao aumento da criminalidade. Mudaram, também, certamente, os conceitos de sossego, tranqüilidade, condutas inconvenientes, etc., que, em 1942 eram um, e em 2003, certamente são outros. Mas isto, antes de tornar o dispositivo legal letra morta, deveria, bem ao contrário, garantir sua sobrevivência ao longo dos tempos. É de se observar que os bens jurídicos protegidos por estas normas dizem respeito, em maior ou menor grau, à manutenção da ordem na comunidade.
O próprio ato de quebrar janelas configura o crime de dano (art. 163 do Código Penal). Igualmente a pichação configura o crime de dano, ambos potencialmente causadores de desordem e criadores de condições ambientais propícias à ascensão da criminalidade. Com relação à pichação, a absoluta escassez de jurisprudência sobre o assunto, diante da dimensão epidêmica com que esta forma do crime de dano se faz presente nos grandes centros urbanos, dá bem uma idéia da virtual ausência de repressão a este delito. Em uma pesquisa rápida, encontramos apenas dois julgados a respeito, ambos do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, e cujas ementas são as seguintes:
"Dano qualificado. Agente que, mediante pichação, deteriora a pintura de prédio municipal. Configuração – Configura o crime previsto no art. 163, parágrafo único, III, do CP, a conduta do agente que, mediante pichação, deteriora a pintura de prédio municipal " (Recurso de Apelação, Processo n° 1199469/1, Relator: Amador Pedroso, 12ª Câmara, Data: 05.06.200)
"Dano. Agente que faz pichações sobre muro já parcialmente pichado. Configuração. Inocorrência: Inexiste crime de dano na modalidade ‘deteriorar’, na conduta do agente que faz pichações sobre muro já parcial e anteriormente pichado com propaganda eleitoral ou semelhante, uma vez que não houve deterioração" (Recurso em Sentido Estrito, Processo n° 1188271/2, Relator: Evaristo dos Santos, 9ª Câmara, Data: 19.04.2000).
Esta segunda ementa é particularmente interessante na medida em que refere uma pichação em um muro já deteriorado. Ou seja, é mais fácil (e há até um certo estímulo) pichar um muro já deteriorado do que um muro limpo, da mesma maneira que é mais fácil quebrar uma janela quando outras já estão quebradas. Portanto, assim como uma janela quebrada deve ser imediatamente consertada, um muro pichado deve ser imediatamente limpo.
Registre-se, ainda, que não desconhecemos o entendimento dos que sustentam que os bens protegidos pela criminalização das condutas contravencionais sequer deveriam ser protegidos pelo direito penal. A estes fica, ao menos, a seguinte questão: não é razoável utilizar-se o direito penal para proteger minimamente a comunidade de condutas que criam um clima propício, e quase irresistível, para a ascensão da criminalidade violenta?
Mas não é apenas a estratégia das prioridades policiais que levou à ausência de repressão a tais contravenções e delitos em que não se verifica violência ou grave ameaça à pessoa. Há que se reconhecer que uma visão, em nosso entender, equivocada do Direito Penal, nos últimos anos e décadas, em muito contribuiu para isto.
O princípio da intervenção mínima, base do movimento penal que terminou sendo conhecido como "direito penal mínimo", orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. [8] Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Ainda segundo tal princípio, o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. A leitura que se costuma fazer deste princípio é que apenas as condutas que configurem um ato de violência física ou uma ameaça grave devem ser criminalizadas. Tal conclusão se afigura insustentável quando resta comprovado que desordem, contravenções e pequenos delitos, quando não reprimidos, levam à criminalidade violenta. Isto não significa, por óbvio, que estes pequenos delitos que configuram desordem devem ser punidos com pena de prisão. No entanto, a resposta deve ser penal, seja por pena de multa seja por penas restritivas de direitos, como forma de deixar claro ao desordeiro que sua conduta é grave e não será tolerada pelo estado.
A ordem, o sossego alheio e a tranqüilidade são bens jurídicos que merecem a proteção da norma penal não apenas pelo seu valor intrínseco, mas também porque protegendo-os, está-se evitando a ascensão da criminalidade violenta. Quando as pequenas janelas estão quebradas, não adianta correr para tentar evitar que as grandes janelas sejam quebradas. Elas inevitavelmente o serão. Ou seja, não adianta invocar o Direito Penal para cuidar dos crimes violentos quando desprezou-se seu poder de coerção com relação a crimes menores, invocando-se princípios como o da intervenção mínima. Isto significa atuar apenas no resultado e não na prevenção. O resultado só pode ser o aumento da criminalidade.
O princípio da fragmentariedade, a seu turno, corolário do princípio da intervenção mínima, sustenta que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização [9]. Segundo Muñoz Conde [10] tal princípio apresenta-se sob três aspectos: em primeiro lugar, defende o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da prática imprudente em alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das condutas que outros ramos do direito consideram antijurídicas e, finalmente, deixando sem punição condutas meramente imorais como a mentira. Novamente aqui o problema está em considerar bens valiosos, apenas a vida, a integridade física, a liberdade sexual, a liberdade individual e o patrimônio, por exemplo. E considerar a ordem, o sossego, e a tranqüilidade como bens não suficientemente importantes para merecerem a proteção da norma penal. Desde que a ofensa a tais bens sem a devida repressão penal levará inevitavelmente a uma criminalidade violenta, os mesmos devem ser protegidos pela norma penal, pois são as pequenas janelas cuja integridade garantirá a sobrevivência do sistema de proteção social, evitando a proliferação da desordem e da criminalidade.
Observa-se, hoje, no Direito Penal, quase que um pensamento único com relação à doutrina do Direito Penal Mínimo. Seus inúmeros defensores não se cansam de repetir que a repressão penal deve ser utilizada apenas em caso de crimes graves. Para condutas menos graves, sustentam, há outras alternativas, tal como as sanções meramente administrativas. Tal pensamento, repetido exaustivamente, fez e vem fazendo com que inúmeros operadores do direito na área penal, desde Policiais, até Promotores e Juízes, simplesmente desprezem os delitos de menor gravidade, levando à não instauração do inquérito pela autoridade policial, ao arquivamento do inquérito pelo Promotor de Justiça, ao não recebimento da denúncia ou à absolvição, pelo Juiz, mesmo quando o delito está presente, sob o argumento de que trata-se de um ilícito menor, que não justifica a imposição de uma sanção penal, ou sequer a instauração da ação penal. Mal percebem que ali está o ovo da serpente, a raiz da criminalidade violenta que, mais tarde, não terão condições de combater eficazmente.
A situação, em tese, deve ter mudado um pouco com o advento da Lei n° 9099/95, pois fatos delituosos que sequer mereciam a instauração de um inquérito, agora merecem, ao menos, a instauração de um TC. Mas ainda é cedo para chegar-se a alguma conclusão a este respeito, dado o fato de a lei ser nova e considerando-se a profunda deterioração causada no sistema de prevenção criminal, decorrente de anos de licenciosidade com condutas consideradas não dignas de receberem uma resposta penal
É bom registrar que não se advoga uma criminalização e/ou repressão de toda e qualquer conduta que ofenda qualquer bem jurídico. Nem todo bem jurídico é passível de proteção por uma norma penal. Há casos na legislação brasileira em que a criminalização de determinadas condutas afigura-se como risível. Tome-se como exemplo a Lei n° 7643/87, que proíbe a pesca de cetáceos nas águas jurisdicionais brasileiras, e cujo art. 1° determina que "fica proibida a pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras". A pena é de dois a cinco anos de reclusão. Sem contar o problema de definir-se o que configura "molestamento intencional", fato é que o sossego de um cetáceo não é um bem jurídico digno de proteção por uma norma penal, até porque pode ser muito bem protegido, e até com mais eficácia, por regulamentos administrativos. Aqui, nem o bem jurídico em si, e nem a possibilidade de a conduta ser causadora de desordem (inexistente no caso) justifica uma proteção por uma norma penal.
Assim como há exageros em um sentido, há exageros em outro. Luigi Ferrajoli que tanta influência exerce na doutrina pátria com sua obra "Derecho Y Razon", ao analisar quando e como proibir, critica o Código Rocco, alegando que este elenca uma excessiva quantidade de bens jurídicos por meio da criminalização de inúmeras condutas, para em seguida concluir que "nosso princípio de lesividade permite considerar ‘bens’ somente aqueles cuja lesão se concretiza em um ataque lesivo a outras pessoas de carne e osso" [11]. Como resultado deste entendimento, teríamos que o tráfico de drogas, o estelionato, o furto, a apropriação indébita, o peculato, a corrupção, os crimes do colarinho branco (crimes contra a ordem econômica e tributária), a organização de pessoas para atividades criminosas, e a lavagem de dinheiro, por exemplo, não merecem ser criminalizados. Idéias como esta em nada contribuem para o combate à criminalidade e nem mesmo para a evolução do Direito Penal. Pelo contrário, fazem com que a norma penal seja invocada apenas quando a situação já está de tal forma deteriorada, que mesmo sua aplicação pouco efeito terá em seus fins preventivos e repressivos. Isto sem falar na consagração definitiva do Direito Penal, agora sim, como instrumento de opressão exclusiva dos pobres, pois estes praticam o roubo (subtração de bem com violência contra a pessoa), enquanto que os criminosos do colarinho branco, praticam o peculato, a corrupção, a apropriação indébita e os crimes contra a ordem tributária e econômica, sem, portanto, exercerem violência contra uma pessoa "de carne e osso", fazendo tudo isso diante da tela de seus moderníssimos computadores, enfiados em ternos ingleses, com gravatas italianas e nos ambientes climatizados e acarpetados de onde, certamente, dão graças aos céus por receberem tão valioso auxílio doutrinário na área penal.
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Conclusão
Quando se está às voltas com índices de criminalidade que há muito já ultrapassaram o limite do tolerável, não se pode ignorar exemplos vitoriosos de combate à criminalidade.O exemplo americano, pois, deve, no mínimo, ser levado em consideração.
A desordem é, comprovadamente, fonte de criminalidade e deve ser rigorosamente combatida. O pensamento que se convencionou chamar de "Direito Penal Mínimo" peca ao considerar como dignos de proteção pela norma penal apenas condutas que configurem atos de violência grave exercida contra a pessoa, atuando, portanto, apenas repressivamente, e não preventivamente em relação à criminalidade violenta. A norma penal deve proteger, também, aqueles bens cuja violação gera desordem, medo e, mais tarde, criminalidade.
A brokenwindowstheory e a "operação tolerância zero" são, ao contrário do que normalmente se pensa, muito mais políticas de prevenção à criminalidade violenta, do que propriamente política criminal de repressão.
Nenhum direito pode ser exercido de forma absoluta. Portanto, não se deve hipertrofiar os direitos individuais em claro prejuízo aos direitos de uma comunidade de levar uma vida dentro de mínimos padrões de ordem e segurança, padrões estes largamente aceitos e que reclamam proteção, não podendo isto ser visto como uma ofensa aos direitos individuais.
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Notas
01. A obra "The Crime Drop in América" (A Queda do Crime na América) anota que, em meados da década de 90 a criminalidade violenta caiu em níveis que não se viam desde a década de 60)
02. Report on a Pilot Study in the District of Columbia on Victmizacion and Attitudes Towards Law Enforcement - Departamento de Justiça Americano (Washington D.C. US Government Printing Office, 1967)
03. "Problemas Atuais de Política Criminal", Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, n° 4, pág. 14.
04. "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", IBCCRIM, São Paulo, 2000, p. 15.
05. Conforme a Primeira Emenda à Constituição Americana, "O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de expressão, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos".
06. A Lei das Contravenções penais brasileira tipifica a medicância feita mediante ameaça (art. 60, "a", da LCP)
07. "Leis Contra Mendicância Agressiva. Estas leis violam a Constituição: Sim: Silenciando os Sem-Teto", publicado no ABAJournal, em junho de 1993, conforme citado por Kelling.
08. Conforme Maurício Antônio Ribeiro Lopes, in Princípios Políticos do Direito Penal, ed. RT, 2ª ed., 1999, p. 92.
09. Maurício Antônio Ribeiro Lopes, ob. cit. p. 93.
10. Introdução alDerecho Penal, Barcelona, Bosch, p. 72.
11. Derecho Y Razon – Teoria delGarantismo Penal, Editorial Trotta, 4ª Ed., 2000, p. 478.
Tipicidade conglobante
Como citar este artigo: CAPEZ, Fernando. As Teorias do Direito Penal - O que é a "teoria da tipicidade conglobante"? Disponível em - 29 outubro. 2009.
De acordo com a teoria acima aludida, o fato típico pressupõe que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado. Assim, quando algum ramo do direito, civil, trabalhista, administrativo, processual ou qualquer outro, permitir o comportamento, o fato será considerado atípico. O direito é um só e deve ser considerado como um todo, um bloco monolítico, não importando sua esfera (a ordem é conglobante). Seria contraditório autorizar a prática de uma conduta por considerá-la lícita e, ao mesmo tempo, descrevê-la em um tipo como crime. Ora, como, por exemplo, o direito civil pode consentir e o direito penal definir como crime uma mesma ação, se o ordenamento jurídico é um só. O direito não pode dizer: pratique boxe, mas os socos que você der estão definidos como crime. Se o fato é permitido expressamente, não pode ser típico. Com isso, o exercício regular do direito deixa de ser causa de exclusão da ilicitude para transformar-se em excludente de tipicidade, pois, se o fato é um direito, não pode estar descrito como infração penal. Se eu tenho o direito de cortar os galhos da árvore do vizinho que invadem meu quintal, de usar o desforço imediato para a defesa da propriedade, se o médico tem o direito de cortar o paciente para fazer a operação, como tais condutas podem estar ao mesmo tempo definidas como crime?
A tipicidade, portanto, exige para a ocorrência do fato típico:
I. a correspondência formal entre o que está escrito no tipo e o que foi praticado pelo agente no caso concreto (tipicidade legal ou formal) +
II. que a conduta seja anormal, ou seja, violadora da norma, entendida esta como o ordenamento jurídico como um todo, ou seja, o civil, o administrativo, o trabalhista etc. (tipicidade conglobante).
Pode-se, assim, afirmar que a tipicidade legal consiste apenas no enquadramento formal da conduta no tipo, o que é insuficiente para a existência do fato típico. A conglobante exige que a conduta seja anormal perante o ordenamento como um todo.
O nome conglobante decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal. Os principais defensores desta teoria são os penalistas Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli.
(Sobre o tema, consulte: Fernando Capez. Curso de Direito Penal. 13ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, vol. 1)
Caro leitor, caso haja interesse em receber outros e.mails como este, com artigos, acórdãos recentes ou outras informações jurídicas, por favor, envie a sua confirmação, para o endereço eletrônico , possibilitando o recebimento regular dos informativos do Professor Fernando Capez.
Valoração paralela na esfera do profano
Diz-se profano aquele não conhecedor da ciência do Direito, cujas concepções do que seja legal e ilegal são diretamente influenciadas pela classe social, pelos valores morais e culturais, pela crença religiosa etc. Tal indivíduo desconhece a ilicitude de alguns tipos normativos, podendo vir a praticar fato típico, ilícito, mas não culpável. A esse comportamento denominamos de valoração paralela na esfera do profano.
O nosso ordenamento adotou a teoria limitada da culpabilidade, assim, a falta da potencial consciência da ilicitude é conhecida como erro de proibição, isto é, uma suposição equivocada de que um dado comportamento é lícito.
O próprio mestre Reale categoriza que o que leva o indivíduo a cumprir a norma jurídica são os valores espirituais, morais, financeiros, culturais etc., em face dos quais ele foi moldado. (...) A cátedra de Immanuel Kant, a propósito, disseca haver uma diferença ontológica entre as coisas como elas são vistas (phenomena) e as coisas como de fato elas são (noumena). (BARBOSA, Clóvis. As núpcias da princesa cigana, o julgamento de Frinéia e a valoração paralela na esfera do profano. Disponível em Acesso em 15/02/2008)
O Professor Luiz Flávio Gomes assim resume o que vem a ser valoração paralela na esfera do profano:
Na teoria do delito, várias foram as repercussões do inalismo de Welzel: o dolo e a culpa, como dados integrantes da ação, passaram a fazer parte do tipo (leia-se: do fato típico). Deixaram de integrar a culpabilidade, que se transformou em puro juízo de censura, de reprovação. Eliminados os requisitos subjetivos da culpabilidade, nela somente restaram requisitos normativos:
a) imputabilidade;
b) potencial consciência da ilicitude e
c) exigibilidade de conduta diversa.
Todos esses requisitos são normativos porque devem ser aferidos pelo juiz. Nem a imputabilidade nem a consciência da ilicitude, que se acham na cabeça do agente, devem ser enfocados desde essa perspectiva. Cabe ao juiz examinar em cada caso concreto se o agente tinha capacidade de entender ou de querer e, ademais, se tinha possibilidade de ter consciência da ilicitude, ainda que seja nos limites de sua capacidade de compreensão do injusto - numa "valoração paralela na esfera do profano" (Mezger, Tratado de derecho penal, trad. de 1955), isto é, valoração do injusto levada a cabo pelo leigo, de acordo com sua capacidade de compreensão.
O dolo e a culpa integram a tipicidade ou contariam com dupla posição, isto é, estariam na tipicidade e também na culpabilidade? (GOMES, Luiz Flávio. Ciências Criminais. Disponível em Acesso em 15/02/2008) (grifo nosso)
Citação circunducta
A ausência ou deficiência da citação é causa de nulidade absoluta no processo penal, não estando sujeita à convalidação, sendo que independe da prova do prejuízo que é presumido nessas circunstâncias.
Segundo o festejado jurista Fernando Capez, "o ato pelo qual se julga nula ou de nenhuma eficácia a citação é chamado de 'circundução'; quando anulada diz-se que há 'citação circunduta'"(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª Edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 514).
Extraindo-se o significado no léxico brasileiro, circunduta significa julgar nulo.
Portanto, citação circunduta no processo penal é aquela anulada em virtude de algum defeito ou vício insanável, que a torne passível da aludida sanção processual de anulabilidade do ato.
Constituição cesarista
É a constituição em que a participação popular restringe-se a ratificar a vontade do detentor do poder.
Nas palavras do Professor Marcelo Novelino: "As constituições outorgadas submetidas a plebiscito ou referendo na tentativa de aparentarem legitimidade são denominadas de constituições cesaristas .".
Referência :
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Método, 2009, 3ª ed. p. 108.
Contrato vaca-papel
O contrato "vaca-papel" é denominação comum dos contratos celebrados entre parcerias pecuárias e, utilizado para encobrir a ocorrência real de mútuo feneratício, ou seja, é um contrato simulado de parceria pecuária, que tem a finalidade de esconder um mútuo usuário puro simples, como outras vezes representa o preço pelo qual foi concretizado um negócio.
A expressão vaca papel traduz uma patologia jurídica estudada pela doutrina "Marco Pissuno" e também enfrentada pela jurisprudência brasileira.

Família eudemonista
História de direito de família:
A CF/88 rompendo os paradigmas clássicos reconheceu, além da família decorrente do casamento, a família monoparental e a união estável. Sendo assim, distanciou do modelo de família consagrado pela Igreja. A doutrina moderna vai mais além, sustenta que os modelos de família previsto na CF/88 não esgotam o conceito de família, sendo possível se afirmar a existência de família em outros "ninhos não estandardizados".
Luiz Edson Facchin, por exemplo, indaga se irmão mais velho responsável pela educação e desenvolvimento de irmão mais novo não é forma de família? O conceito de família não é um conceito técnico; neste sentido, Caio Mário afirma que família é um conceito de multiplicidade.
Assim, optou-se por abranger um novo nicho de família, qual seja, a família eudemonista:
Eudemonista é considerada a família decorrente da convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua, como é o caso de amigos que vivem juntos no mesmo lar, rateando despesas, compartilhando alegrias e tristezas, como se irmãos fossem, razão por que os juristas entendem por bem considerá-los como formadores de mais um núcleo familiar.
Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo se deu a nomenclatura de família eudemonista, que busca a felicidade individual, vivendo um processo de emancipação de seus membros. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira que as pessoas encontram de viver, convertendo-se em seres socialmente úteis, pois ninguém mais deseja e ninguém mais pode ficar confinado à mesa familiar.
A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíprocas (DIAS, 2006, p. 45). Essa é uma das possíveis formas de se ter uma família na busca da felicidade de todos os membros conviventes.
Fantasma errante à procura de um corpo
Em nobre artigo o Dr. Paulo Queiroz referindo-se ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes posiciona-se a favor da inconstitucionalidade das normas penais em branco:
“Enfim, quanto ao assunto drogas ilícitas, quem legisla sobre matéria penal é, em última instância, o próprio Ministério da Saúde, o Poder Executivo, mesmo porque a lei penal em branco era até então, simplesmente, uma “alma errante em busca de um corpo” (Binding), e, portanto, carente de auto-aplicação, ante a manifesta imprecisão de seus termos e conseqüente necessidade de complementação. Até então, enfim, a lei penal era uma espécie de cheque em branco emitido em favor do Executivo.
Semelhante ato viola, por conseguinte, a um tempo, ainda que oblíqua e sutilmente, o princípio da reserva legal, por tolerar que simples portaria emanada do Poder Executivo possa dispor sobre matéria penal, criminalizando uma dada conduta, bem como o princípio da divisão de poderes, já que é aquele poder, e não o legislativo, quem acaba legislando em um tal caso.”
Fetichização do discurso jurídico
A Constituição Federal de 1988 instituiu um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (trecho do preâmbulo da Magna Carta). r
Considerando o acima exposto, a atual visão do Direito exige a compreensão da correlação intrínseca da justiça com a ética, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. O direito, servindo aos princípios que embasam a Constituição, deve ser analisado de forma mais ampla, não podendo se restringir à literalidade do texto da lei. r
Isso para dizer que a "fetichização" do discurso jurídico se baseia no entendimento contrário, ou seja, "(...) através do discurso dogmático, a lei passa a ser vista como sendo uma-lei-em-si, abstraída das condições (de produção) que a engendraram, como se sua condição-de-lei fosse uma propriedade "natural". Conseqüentemente, completando o mesmo Sercovich, o discurso dogmático se transforma em uma imagem, na tentativa (ilusória) de expressar a realidade-social-de-forma-imediata. No fundo, o discurso jurídico transforma-se em um "texto sem sujeito", para usar a terminologia de Pierre Legendre" (STRECK, LenioLuis. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.95), construindo um Direito descompromissado com a ética e com a justiça social. r
Noutros dizeres, a "fetichização" do discurso jurídico reproduz uma visão do Direito excessivamente preocupado com a pureza, a forma e o aspecto técnico do saber jurídico em dissonância com a idéia de que os textos legais devem ser interpretados sob a óptica instrumental de transformação social. r
Para o autor Henrique GarbelliniCarnio, os meios para se conseguir efetivar uma realidade produtiva na dogmática jurídica foram produzidos por: "Viehweg com a Tópica, Tércio Sampaio Ferraz Junior com a Zetética, ChaimPerelman com a Nova Retórica, Boaventura de Sousa Santos com a Novíssima Retórica, A fenomenologia heideggeriana e a hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, Habermas com a Epistemologia Crítico-Dialética e com a Teoria do Consenso da Verdade e Enrique Dussel com a Filosofia da Libertação". (CARNIO, Henrique Garbellini. A crise da dogmática jurídica na fetichização do discurso jurídico. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.18, jun. 2007. Disponível em <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/Edicao018/Henrique_Carnoi.htm>. Acesso em 04/02/2008)
Inconstitucionalidade chapada
Trata-se de expressão de origem portuguesa, utilizada pelo ministro Sepúlveda Pertence, e que significa aquela inconstitucionalidade clara, óbvia, flagrante.
A título de exemplo, discute-se a possibilidade de o Judiciário analisar os requisitos formais da medida provisória, quais sejam, a relevância e a urgência. O STF, por sua vez, já explanou entendimento de que referido ato normativo deve ser objeto de controle, no tocante aos seus pressupostos constitucionais, pelo Executivo e pelo Legislativo. Contudo, de acordo com a mesma Corte, excepcionalmente, ou seja, quando a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva e, nos dizeres do ministro Sepúlveda Pertence, quando a inconstitucionalidade for chapada, o Judiciário poderá analisar tais pressupostos.
Inconstitucionalidade por arrastamento
Como citar este comentário: RUSSO, Diogo de Assis. A teoria da inconstitucionalidade por arrastamento. Disponível em 07 agosto. 2008.
A teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, também conhecida como inconstitucionalidade por atração ou inconstitucionalidade conseqüente de preceitos não impugnados, deriva de uma construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Portanto, não se encontra positivada em qualquer norma constitucional ou legal de nosso sistema jurídico.
Por esta teoria, o Supremo Tribunal Federal poderá declarar como inconstitucional, em futuro processo, norma dependente de outra já julgada inconstitucional em processo do controle concentrado de constitucionalidade.
Segundo a obra de Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho e Paulo Gustavo G. Branco:
A dependência ou a interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. [...][1]
Portanto, aspectos essenciais para a aplicação desta teoria devem ser observados.
Em primeiro lugar, o processo que possibilitou a declaração de inconstitucionalidade da norma principal deve, necessariamente, ter sido concebido na modalidade concentrada (ou abstrata) de controle de constitucionalidade. Com isso, conclui-se que a utilização da teoria da inconstitucionalidade por atração é inconcebível no controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade.
Em segundo lugar, devemos observar a relação de interdependência entre a norma considerada como principal e a norma considerada como conseqüente. É o que observa a Ministra Ellen Gracie no corpo do acórdão da ADI 3645
Princípio da passagem inocente
Vejam a aplicação do princípio da passagem inocente no Direito Penal.
A Constituição Federal elenca no artigo 1° os fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre os quais nos importa a soberania: r
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: r
I - a soberania; r
Para Heleno Cláudio Fragoso, o território é o espaço onde o país exerce sua soberania (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 133). r
O território brasileiro compreende o território geográfico, delimitado pelas fronteiras com outros países, além das ilhas, o mar territorial e o espaço aéreo. r
A Lei n° 8.617, de 4 de janeiro de 1993, dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. r
O artigo 1° dessa lei define o que vem a ser o mar territorial brasileiro, litteris: r
Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil. Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial. (grifo nosso) r
O Brasil adota como regra o princípio da territorialidade, segundo o qual a lei brasileira será aplicada ao crime ocorrido no país, independentemente da nacionalidade do autor e da vítima (artigo 5º, CP): r
Territorialidade r
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) r
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) r
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) r
O Direito Internacional Marítimo prevê uma exceção à aplicação do princípio da territorialidade no Direito Penal, qual seja o princípio da passagem inocente. r
Na III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, foi elaborada a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de MontegoBay, 1982, formado a partir de noções costumeiras posteriormente codificadas. r
O Brasil firmou a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em 10 de dezembro de 1982, junto com outros 118 países, e em 22 de dezembro de 1998, veio a ratificá-la. A Convenção entrou em vigor, internacionalmente, no dia 16 de novembro de 1994. r
Resumidamente, o princípio da passagem inocente é instituto jurídico próprio do Direito Internacional Marítimo e permite a uma embarcação de propriedade privada, de qualquer nacionalidade, o direito de atravessar o território de uma nação, com a condição de não ameaçar ou perturbar a paz, a boa ordem e a segurança do Estado costeiro (artigo 19, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar). r
Esse instituto aplicado ao Direito Penal, permite que crimes cometidos dentro de navio estrangeiro, de passagem pelo país, não sejam julgados pela lei do país em trânsito, desde que não afetem um bem jurídico nacional. Ex.: árabe assassina um americano em uma embarcação de bandeira italiana. r
"(...) Trata-se, portanto, de um direito que cria uma situação intermediária entre a liberdade de navegação, princípio válido em alto mar, e a jurisdição territorial plena. A título exemplificativo, pode-se arrolar algumas atividades não contidas no conceito de passagem inocente: pesca, exercícios militares e atos de propaganda atentatório à segurança do Estado costeiro. Submarinos devem navegar à superfície com bandeira arvorada (art. 20). A passagem independe de autorização prévia. Isto vale mesmo para navios militares, embora alguns países não partilhem dessa interpretação e exijam autorização ou notificação nesses casos. (FIORATI, Jete Jane. A disciplina jurídica dos espaços marítimos na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 e na Jurisprudência Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 80-81) r
O tráfego marítimo será regido pelas leis do Estado costeiro, que mantém a prerrogativa de legislar sobre proteção de cabos e dutos, conservação de recursos vivos do mar, prevenção da poluição, investigação científica, entre outros temas incluídos no art. 21. (Essas competências são exercidas, em geral, no Brasil, pela Autoridade Marítima, constituída na Diretoria de Portos e Costas, vinculada ao Comando da Marinha e ao Ministério da Defesa, e pela Agência Nacional do Transporte Aquaviário, em conformidade com as Leis n. 9.537, de 11 de dezembro de 1997, e n. 10.233, de 5 de junho de 2001, respectivamente. Cumpre registrar que a competência para julgar "os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e as questões relacionadas com tal atividade" foi atribuída no Brasil ao "Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para pessoal e material destinados ao seu funcionamento". Art. 1º da Lei nº 5.056, de 29/06/66) A permissão de passagem não dá direito à cobrança de taxas aos navios estrangeiros (art. 26). r
O direito de passagem inocente não foi uma invenção das Conferências da ONU. De origem consuetudinária, foi reconhecido pela jurisprudência da Corte Internacional de Justiça no caso do Canal de Corfu. No incidente, a Albânia havia depositado ou permitido a colocação de minas marinhas no Canal de Corfu, atitude motivada pela passagem de navios militares ingleses pelo Canal. Tais minas atingiram cruzadores britânicos, levando-os a pique, com mortes da tripulação. Na decisão, a Corte reconhece o direito de passagem inocente de navios de guerra por estreitos que ligam duas porções de Alto-Mar, mesmo sem autorização prévia do Estado ribeirinho, não obstante reconhecer que a Albânia tinha o direito de impor certas regras para o exercício do direito de passagem, ante a situação excepcional de suas relações com a Grécia naquela época. (COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE. Affaire duDétroit de Corfou (fond). Arrêtdu 9 avril 1949. p. 26-32.) r
A Convenção recepcionou a passagem por tais estreitos através de um regime especial, denominado de passagem em trânsito (artigo 37 a 44). Aplica-se o regime da passagem inocente se o estreito situar-se entre uma porção de Alto-Mar ou Zona Econômica Exclusiva e o mar territorial de um Estado estrangeiro (artigo 45) ou se ele estiver entre uma ilha do Estado ribeirinho e seu território continental e for possível navegar por outra rota marítima do outro lado da ilha (artigo 38.1). O regime da passagem em trânsito foi criado durante os trabalhos preparatórios da IIIª Conferência. As diferenças entre os dois regimes são apontadas por Fiorati: "a passagem de trânsito aplica-se a navios e aeronaves, enquanto que a passagem inocente somente a navios; durante a passagem em trânsito o navio ou a aeronave não poderão ancorar, fundear ou aterrissar, a não ser em casos de grave perigo, enquanto que na passagem inocente isto é permitido; na passagem em trânsito o Estado costeiro não poderá abordar e parar o navio, enquanto na passagem inocente isto é possível em casos em que o navio esteja contrariando as leis internas do Estado; a passagem inocente poderá ser suspensa conforme motivos de segurança do Estado costeiro, a passagem em trânsito não." Ob. cit., p. 184). Na prática, o direito de passagem inocente sofre limitações não previstas expressamente pela Convenção. Além da autorização exigida para a passagem de navios militares, as restrições à passagem inocente atingem também a passagem de navios causadores de poluição ambiental e portadores de material ultranocivo e material nuclear. O fundamento dessas restrições encontra-se em regras de proteção do meio ambiente. (AGYEBENG, William K. Theory in Search of Practice: The Right of Innocent Passage in the Territorial Sea. Cornell International Law Journal, v. 39, p. 371-400, 2006)" (LUPI, André Lipp Pinto Basto.O direito internacional e as zonas costeiras. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1453, 24 jun. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9959>. Acesso em 11/03/2008). r
Existem doutrinadores que entendem que esse princípio está constitucionalmente previsto no artigo 5°, inciso XV. No entanto, devemos discordar, vez que o livre deslocamento em território nacional diz respeito a brasileiros ou estrangeiros residentes no país: r
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: r
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Sentença autofágica
A palavra fágico origina-se do grego phagos, querendo significar aquele que come. Considerando uma das definições de auto, significando próprio, podemos concluir que autofágico é aquele que come a si próprio.
A sentença autofágica ou de efeito autofágico é aquela em que o juiz reconhece o crime e a culpabilidade do réu, mas julga extinta a punibilidade concreta.
No entender do Professor Dr. Luiz Flávio Gomes:
Fala-se em sentença autofágica porque ela admite ter havido crime mas ao mesmo tempo extingue a punibilidade do Estado. Para fins penais é como se o agente nunca tivesse sido processado. Em outras palavras: essa sentença não vale para antecedentes criminais, reincidência etc. (GOMES, Luiz Flávio. Negligência paterna, homicídio não intencional e perdão judicial. Disponível em: 18 abril. 2007)
A título exemplificativo, tomemos o instituto jurídico do perdão judicial. Como pressuposto lógico, o magistrado deve analisar o mérito da causa e reconhecer, a princípio, a culpabilidade do agente, para, apenas depois, conceder-lhe o perdão judicial.
STJ Súmula nº 18 - Perdão Judicial - Efeitos da Condenação A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.
O fundamento principal para a concessão do perdão judicial, nesses casos, é o seguinte: o pai, com sua conduta, já sofreu o suficiente diante da sua própria negligência. Ele experimenta uma espécie de "pena natural", isto é, uma pena (um castigo) derivada de fato por ele mesmo praticado. Nessas situações, a pena estatal se torna totalmente desnecessária. Incide aqui o princípio da (des)necessidade da pena, que é defendido, dentre outros, pelo Professor Roxin. (GOMES, Luiz Flávio. Negligência paterna, homicídio não intencional e perdão judicial. Disponível em: 18 abril. 2007)
Em suma, o efeito autofágico da sentença ocorrerá quando a decisão, estatuindo uma pena que permite a prescrição retroativa, traz em seu interior um elemento que conduzirá à sua própria destruição.(Disponível em Acesso em 26/02/2008)
Síndrome de inefetividade das normas constitucionais
Concluindo: fala-se em síndrome da inefetividade das normas constitucionais quando, no contexto das normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo, não há na ordem jurídica norma infraconstitucional que regulamente a matéria, o que perpetua a ineficácia e a inaplicabilidade daquela.
Teoria imanentista da ação
Imanente quer dizer aquilo que está compreendido na essência do todo, aderente, permanente. (Dicionário Melhoramentos da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1994, p. 543) r
A teoria imanentista (civilista ou clássica) do direito de ação reinou absoluta desde o Direito Romano, nas lições de Celso e Ulpiano, até meados do século XIX e teve como um de seus maiores defensores Savigny, que desenvolveu e modernizou a concepção romana. r
Esta teoria parte do conceito de ação dado pelo jurista romano Celso, segundo o qual a ação seria o direito de pedir em juízo o que nos é devido (ius quod sibidebeatur in iudiciopersequendi). Deste conceito surgiram várias conceituações que resultavam, segundo Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco, em três conseqüências inevitáveis: a) não há ação sem direito; b) não há direito sem ação; e c) a ação segue a natureza do direito. r
Desta forma, o direito de ação seria imanente ao direito material, ou seja, uma qualidade que todo direito material possui ao ser violado. r
O Código Civil brasileiro de 1916, no artigo 75, adotava tal teoria e trazia a visão de que o processo não passava de mero procedimento ligado ao direito material e desprovido de independência, onde a ação é tida como o próprio direito subjetivo substancial violado em reação contra a lesãor: "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura". r
Além disso, a teoria imanentista do direito de ação não teve como explicar os casos em que o agente houvesse promovido um processo, sem ter direito, isto é, ficou impossibilitada de explicar o fenômeno da ação improcedente, caso em que a ação processual não teria sido o direito de perseguir em juízo o que nos é devido, como bem ressalta o eminente doutrinador Ovídio Baptista. (BOIS, Marina Du. A Teoria do Direito Abstrato de Agir. Disponível em Acesso em 11/02/2008) r
Como reflexo desta teoria no nosso ordenamento jurídico, foi expedido o Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, com o intuito de disciplinar o processo, uma vez que o considerava como simples meio de exercício dos direitos, cabendo à lei a sua disciplina, assim, o Poder Executivo editou o Decreto nº 763, de 19 de novembro de 1890.



TEORIA DA GRAXA SOBRE RODAS

“A teoria da graxa sobre rodas valoriza a corrupção como um aspecto positivo, com a possibilidade de implemento do crescimento econômico.” 

Aposto que vocês pensaram exatamente o que eu pensei (rs), e de fato, os caras são muito criativos. Mas vida de concurseiro é isso mesmo, não é verdade? 

E já que é para ser criativo, adotamos a “teoria do ciclo”: errar, aprender, e não errar novamente, esperar a nova teoria, errar...”. Brincadeiras a parte, vamos tentar entender a referida “teoria”, bastante criticada por professores, por falta de fundamento científico e teórico. 

Em resumo, a teoria da graxa defende a possibilidade de corrupções boas, que são aquelas que de alguma forma beneficia a população. É o clássico político brasileiro que justifica as suas falcatruas com as suas execuções positivas em prol da sociedade, a exemplo de captação deinvestimentos estrangeiros, obras que empregam muitas pessoas etc. 

Portanto, de fato, conforme o gabarito, a assertiva estava correta. Quem ia imaginar, né? 

Ademais, conforme extraído do site Justificando: 

“A teoria, segundo o teólogo Wagner Francesco, que possui pesquisas em áreas de Direito Penal e Processual Penal, diz que existem corrupções boas, “que são aquelas que ajudam o sistema a se movimentar – pense, por exemplo, em obras públicas que são feitas por mero interesse político. Assim, todo aquele político que ‘rouba, mas faz’, é adepto dela”. http://justificando.cartacapital.com.br/2017/04/03/questao-em-concurso-do-ministerio-publico-de-minas-gerais-sobre-teoria-da-graxa-causa-polemica/ 

Obviamente que, além de críticas quanto ao nome, a teoria não merece respaldo que a legitime. Nenhuma corrupção é salutar, não é verdade amigos? 

Em um Estado Constitucional e Republicano e Direito, todas as condutas deverão estar pautadas na probidade, correção e honestidade, e teoria nenhuma pode justificar desvios da coisa pública, sob pena de responsabilização do agente malfeitor 

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CONTAS (ANUAIS) DO PRESIDENTE

  JULGAR  = CONGRESSO NACIONAL APRECIAR  = TCU TOMAR  = CÂMARA DOS DEPUTADOS EXAMINAR E EMITIR PARECER  = COMISSÃO MISTA PERMANENTE CD/SF